Comemoram-se os avanços civilizatórios que alçam a mulher, tantas vezes, à condição de protagonista nas vidas pública e privada. Na verdade, esse progresso real é também insuficiente. De acordo com o 2º Relatório de Transparência Salarial, divulgado em 18 de março de 2025 pelos Ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego, as mulheres recebem, em média, 20,7% a menos que os homens na mesma função. Essa disparidade é ainda mais acentuada em cargos de gerência, nos quais as mulheres ganham cerca de 73% do salário dos homens que desempenham funções idênticas. Entre profissionais com nível superior, a diferença salarial chega a 31,2% em desfavor das mulheres.
É verdade que há cada vez mais mulheres em postos de liderança, a demonstrar competência e coragem para exercê-la a despeito de preconceitos enraizados. Se a mulher ocupa seu lugar de fala com mais desenvoltura a cada dia, o machismo e a misoginia ainda lhe fazem forte contraponto: pesquisa realizada no começo de 2025 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Datafolha indicou que 21,4 milhões de mulheres brasileiras com idade a partir de 16 anos sofreram algum tipo de violência nos 12 meses anteriores ao estudo. As formas mais comuns de agressão são insultos e humilhações, mas 18,9% sofreram violência física e 10,7% foram vítimas de abuso sexual.
Cumpre à advocacia, baluarte dos Direitos Humanos, bradar contra quaisquer formas de discriminação e agressão à mulher. E lhe cabe também dar exemplo, uma vez que 50% dos profissionais inscritos nas seccionais da OAB são mulheres, ante 49% de homens e 1% de outras identidades de gênero, conforme o Perfil ADV - 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira, divulgado em 2024 pela OAB nacional.
No Estado de São Paulo, são inúmeras as ações que a Seção de São Paulo da OAB tem realizado em prol da mulher, em especial da mulher advogada. Sua representação também revela o compromisso com a mulher: três dos cinco diretores da seccional são mulheres.
Já a Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, maior entidade assistencial de classe do Brasil, tem hoje sua segunda presidente mulher - a primeira negra - em 89 anos de história. Dos 10 cargos de diretoria da CAASP, cinco são ocupados por advogada mulher. A consciência e a atitude em relação ao papel da mulher na sociedade e na advocacia são marcas da atual gestão da Caixa.
A sensibilidade com a condição feminina é uma das marcas da atual gestão da CAASP, como fica explícito nas palavras da presidente Diva Zitto: “O protagonismo feminino não demonstra pura e simplesmente uma valorização da pluralidade - todas as conquistas femininas derivam do enfrentamento do status quo. Nada nos foi dado, cada conquista decorreu de um sacrifício”.
Para Diva Zitto, a presença da mulher nos espaços de poder é disruptiva: “Ampliar a presença da mulher nesses ambientes, como a OAB está fazendo, demonstra o pensamento de vanguarda rompendo com o avanço do conservadorismo que ainda tenta impor o afastamento da mulher nas decisões mais importantes da sociedade. E mesmo assim insistimos, resistimos e desafiamos o impossível para construção de uma sociedade inclusiva e capaz de reconhecer que o lugar da mulher é onde ela queira estar”.
Segundo a diretora da Caixa Stella Serafini, “as mulheres não apenas conquistaram espaços em ambientes historicamente dominados por homens, mas também trouxeram novas perspectivas, uma ética de cuidado e uma eficiência transformadora para a prática jurídica”. Na CAASP, ressalta Serafini, “essa realidade se materializa com uma presidente e quatro diretoras mulheres à frente da instituição, mostrando que a liderança feminina é sinônimo de competência, inovação e compromisso com a justiça social”.
É notório que, ainda hoje, muitas profissionais enfrentam situações de assédio velado e do erguimento de barreiras à ascensão profissional. “Por isso é fundamental que instituições como a CAASP e a OAB , bem como escritórios de advocacia, não apenas promovam a presença feminina, mas criem mecanismos concretos para amplificar sua participação em todas as esferas decisórias”, adverte Serafini.
Com a experiência pioneira de quem foi secretária-geral, vice-presidente e duas vezes presidente de uma subseção da OAB SP, a do Jabaquara, além de tesoureira da CAASP na gestão passada, a atual secretária-adjunta da Caixa de Assistência, Solange de Amorim Coelho, cobra participação das advogadas nas atividades de seus órgãos de classe: “É primordial que as colegas advogadas venham ajudar a nossa entidade de classe. Somente com seu apoio, com seu olhar diferenciado, podermos vencer tantos obstáculos”.
Solange invoca a coragem das mulheres advogadas que se manifesta quando dos períodos eleitorais da OAB, momento em que elas decidem, efetivamente, assumir seu protagonismo. “Quando as advogadas se imbuem da vontade e da coragem necessárias para enfrentar o desafio de uma eleição, elas saem vitoriosas. É isso que a gente pede, que a cada dia mais colegas exerçam seu papel fundamental e venham concorrer nas eleições”, provoca a dirigente.
Olhos “vendados”
“A advocacia tem como símbolo principal uma deusa ‘vendada’, podem argumentar os cínicos. Porém, é aí que se encontra a força desse símbolo: o que é justo está tão claro, tão óbvio, que mesmo de olhos fechados sabemos distinguir.”
A alusão a Themis, deusa da Justiça, é feita pela diretora da CAASP Maria Lúcia Robalo para ilustrar uma realidade que, ao contrário do que o conservadorismo quer fazer crer, salta aos olhos. A dirigente explica: “A presença da mulher no Direito é por si só a luta por ocupar espaços que lhe são negados há séculos pelos sistemas político e religioso. Trata-se de uma luta que se trava com sabedoria, respeito e dignidade. Ser advogada, em pleno Século XXI, ainda contém riscos. Contudo, é uma época de acesso a pensamentos de homens e mulheres que ousaram mudar um coletivo desinformado. Nesse contexto, a mulher advogada deve ocupar seu espaço por mérito e por conhecimento. O contrário é nos deixar à mercê da História, nem sempre neutra”.
O que se depreende do pensamento das mulheres que dirigem a CAASP - ao lado, é claro, de outros cinco diretores homens - é o reconhecimento do seu papel essencial na engrenagem de “uma sociedade justa, fraterna, em plena evolução - uma evolução tanto econômica quanto pessoal”, avalia a diretora da Caixa Tatiana Adoglio.
Nesse cenário, Tatiana destaca - além da capacidade técnica, do profissionalismo demonstrado em instituições públicas, governamentais, privadas e entidades de classe - “a visão feminina mais pessoal, um olhar mais acolhedor do ser humano, a visão um pouco ‘materna’ que é inerente à mulher”.
A percepção de Tatiana Adoglio vai ao encontro daquelas pessoas que, num passado recente, já se referiram à CAASP como “um verdadeiro colo de mãe para a advocacia”.